terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Tio Lula - Eulogia.

Queridos amigos, familiares, conhecidos, atletas e funcionários do Mackenzie Esporte Clube:


Uma vez me foi dito que “O sábio aprende com as vivências dos outros.”. Até hoje, esse ditado me caiu muito bem. Entretanto, o falecimento do meu padrinho me parece ser a exceção que determina a regra. É impossível imaginar o estado de espírito de alguém que está de luto, por mais detalhadamente que a pessoa explique e exemplifique. Essa inversão da natureza que vejo, onde pais enterram filhos, sobrinhos enterram tios, ainda não me é compreensível. Não sei se um dia será.

 Neste momento não questiono nada. Simplesmente sinto. Simplesmente repito e me acalanto pela oração “SEJA FEITA A VOSSA VONTADE ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU”. Essa oração que pede ou suplica a Vontade de Deus leva-nos a aceitar o nosso desligamento dessa Santa Vontade pelo pecado, que, infiltrado em nossas entranhas, nos faz reféns de nós mesmos e dos nossos caprichos. Caprichos esses desenhados pelo tio Lula com maestria. Incentivado por ele a praticar esportes, a primeira coisa que aprendi com o técnico Piu, do Mackenzie, foi que “ a menor distância entre dois pontos é uma reta”, ao me ensinar a dar passes com a bola. É piu, você estava certo. Por mais que desenhemos a nossa vida, nos passos parabólicos e divertidos de um copo de cerveja e uma risada, sempre haverá esses dois pontos, o inicial e o final, dos quais não podemos fugir. Nesse instante, parece que a mente silencia e o coração se aquieta. Uma sensação de vazio toma conta da gente.

Quem sou eu, quem somos nós para questionarmos os designos; a vontade de Deus ???
 Neste momento, lembro de forma muito intensa e viva a vida que tivemos com o Luiz Henrique, Tirrico, costinha, Lula e mais recentemente com o Tio Lula.

Memoráveis são as lembranças que tenho dos casos que ouvia dele, contando sobre as brincadeiras da sua infância. Ele detalhando cada momento passando sabonete e jogando água no corredor quando ia tomar banho com a mamãe, dizendo que era o seu escorregador! Da vovó dizendo que fazia brigadeiro para que levassem nas festinhas da escola e ele comia tudo pelo meio do caminho. É tão Tio lula! As brincadeiras na garagem com os amigos e vizinhos, de futebol com bola de meia, queimada, descendo a rua de bicicleta , correndo , brincando de pegador, policia e ladrão. Qual mãe não ficaria com o coração na mão, tendo um filho hiperativo desses, e morando na descida da Alvarenga Peixoto? Uma infância bem aproveitada. Com o tempero de alguns ossos quebrados e pinos no braço; mas, inegavelmente, uma infância BEM aproveitada!

Agora, quem me fala é a mamãe, contando das  férias dela e do titio. Da sua adolescência, amizade e cumplicidade entre os dois e o tio Julinho. Essa não é uma parte difícil de imaginar. Sentimentos interpessoais que duraram até o último segundo que poderiam ter durado.  Ela lembrava de quando ficavam assentados no muro de casa conversando com os amigos e comendo cachorro quente no carrinho na esquina. Bem diferente da minha juventude. Mas, mesmo assim, também imagino como seria, com carinho.

E assim o Lula, Luiz Henrique foi crescendo, sempre cercado de amigos, sempre sorrindo, contando casos, piadas. Era uma pessoa inatingível, e sempre tinha um sorriso no rosto, por mais difícil que a situação se apresentasse. Li num livro uma vez que “Tudo é contagiante.” Ihh, nem precisava ter lido! Contágio era o que eu sentia quando chegava nas festas de família, triste por ter que largar meus brinquedos em casa, e chegava o tio Lula, me abraçava e falava “ Qual que é o padrinho que você mais gosta?!” Mamãe me ensinou que eu tinha que responder “ Tio Lula”,  mas a resposta já saía naturalmente.

Permito-me lembrar também que, assim como qualquer um de nós, ele também tinha seus defeitos. Como disse o único não-pecador que já andou pela terra : Atire a primeira pedra quem nunca cometeu um pecado, quem nunca tenha errado. Pecados acontecem. Erros são cometidos. Cestas não são feitas, Bloqueios não são furados, passos não ficam bons e pessoas tropeçam na cochia. Mas, diferente do esporte e da dança, não temos tempo pra praticar a vida. Ela acontece aqui, ela não tem ensaio ou treino  e, por mais que desejemos a cesta, a bola quicando do outro lado da rede, damos um tapinha nas costas do nosso colega de equipe, entendendo que todos erram. Erramos na quadra, erramos no palco, erramos na vida; o maior esporte em equipe que já existiu.

É difícil expressar por meio de palavras  o pesar com o qual convivo, de, dadas as circunstâncias com a qual ele partiu, não ter dito uma última vez pra ele “ Tio lula, você é o padrinho que eu mais gosto! É o único, mas é o que eu mais gosto!” . Aliás, acho que a vida seria muito chata se nós pudéssemos prever o futuro, mesmo que ela pregue essas peças desagradáveis de vez em quando. A vida é muito corriqueira e cheia de tarefas. Mas, quando uma pessoa parte assim, gostaríamos sempre de ter dito a nossa última palavra de carinho. Então, quando vocês chegarem nas suas casas depois dessa missa, esqueçam os compromissos, as briguinhas e as tarefas. Só por hoje, permitam-se entrar em contato com as pessoas que vocês vêem todo santo dia, e digam que as ama. Não simplesmente porque você as ama mesmo e isso é uma verdade pra você, mas porque você talvez nunca tenha dito isso. Acreditem, eu gostaria de ter dito. Tio, te amo MUITO.